
Na hora de dividir uma herança é frequente o conflito de interesses entre os herdeiros. Nestes casos, a partilha de bens deve de ser feita através do processo de inventário. Saber do que se trata e como se faz a distribuição da herança são algumas das informações que o vão ajudar a lidar com os factos e as emoções.
A morte de um familiar ou ente querido é uma das situações mais desgastantes da vida, pois à dor da perda junta-se a necessidade de resolver um conjunto de obrigações, umas mais imediatas do que outras. Pela minha experiência, diria que a mais complexa e a que pode gerar mais atrito nas famílias é a gestão da herança da pessoa falecida, nomeadamente, a sua transmissão e partilha.
Se fosse comigo e com a minha família, o que diria o meu “eu” advogada ao meu “eu” filha, irmã? Que é preciso ter calma. As discussões e as desilusões acontecem, principalmente na hora de partilhar uma herança. Vejo e revejo diariamente esta situação nas centenas de clientes que acompanho por ano.
E na base da maioria dos conflitos está o desconhecimento sobre o que a Lei estabelece. Por isso, quero partilhar consigo informação que contribua para o acalmar dos ânimos.
Como se faz a divisão da herança? Quem herda?
A transmissão da herança, que inclui os bens e as dívidas, faz-se da seguinte forma:
- O cônjuge e descendentes, isto é, os filhos; se não houver filhos, serão os netos;
- O cônjuge e ascendentes, isto é, os pais; se não houver pais, serão os avós;
- Os irmãos e seus descendentes, isto é, os sobrinhos;
- Outros familiares até ao quarto grau: primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos;
- O Estado, no caso de não haver outros familiares até ao quarto grau.
Estes são os herdeiros que a Lei estabelece, designados de herdeiros legitimários.
Para que outros que não os supra-indicados herdeiros legitimários beneficiem da herança, a pessoa falecida teria de expressar a sua vontade através de testamento, no notário e na presença de duas testemunhas. É o caso dos unidos de facto, que não têm direitos equiparados aos de um cônjuge em termos de herança, ou de entidades coletivas.
No que diz respeito à vontade expressa em testamento, esta tem de ser respeitada, não podendo gerar incumprimentos à lei nem à ordem pública.
As causas mais frequentes de conflito
Apesar de a Lei ser clara a definir quem são os herdeiros, há situações na gestão da herança que geram desentendimentos:
- A nomeação do cabeça de casal
Como administrador da herança e até à sua partilha, assiste ao cabeça de casal poderes e deveres, como cobrar e pagar dívidas, comprar e vender bens, zelo e prudência, etc.. Habitualmente, esta função recai sobre o cônjuge ou no herdeiro mais próximo, mas pode atribuir-se a outro. Os herdeiros escolherão entre si e, não havendo acordo, a decisão final é a dos tribunais.
- A gestão da herança indivisa
Os herdeiros podem discordar da forma como o cabeça de casal administra a herança indivisa, seja pela falta de prudência e de zelo, por não prestar contas e ocultar bens, ou pelo incumprimento de obrigações legais.
- A herança permanecer indivisa
A herança indivisa é uma das fases do processo de sucessão, aquela em que o património ainda não foi distribuído pelos herdeiros. A herança pode manter-se assim por vários anos, tantos quantos os que os herdeiros acordarem, ou até ao momento em que um ou vários solicitarem a sua divisão.
- A partilha de bens
A herança é dividida entre todos de forma proporcional, respeitando as quotas estabelecidas na Lei. Não raras vezes, os herdeiros legitimários não estão de acordo entre si quanto à distribuição de bens, contestando-a.
Nestas e demais situações, sempre que um ou vários herdeiros se sente lesado nos seus interesses e não se consiga chegar um entendimento entre todos, inicia-se o processo de inventário.
O processo de inventário
Este é um mecanismo que permite a partilha de bens em situações de conflito de interesses ou direitos lesados, como estabelecido na Lei:
- quando não há o acordo de todos os beneficiários da herança;
- quando é solicitado pelo Ministério Público para defender os direitos de um herdeiro sem capacidade jurídica;
- quando um dos herdeiros não se manifesta por motivo de ausência em parte incerta ou por incapacidade de facto permanente.
Para se dar início a este procedimento é necessário fazer um pedido de abertura do processo, ao qual se apensa a documentação exigida, e entregá-lo num notário ou no tribunal competente (nos casos em que é da sua competência, por determinação na Lei).
O conselho que lhe deixamos para que consiga finalmente resolver o impasse que se gerou na sua vida é que, em primeiro lugar, reflita sobre a seguinte questão: há algum bem pertencente à herança com o qual deseja mesmo ficar?
Conhecer os seus objetivos é o primeiro passo para iniciarmos uma negociação e chegarmos a um acordo. Porque, tal como a experiência já me ensinou, “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”.
Se, por outro lado, até já avançou com o processo de inventário no Cartório Notarial mas está insatisfeito com o andamento do processo, informe-se junto de um advogado sobre a possibilidade de remeter o processo para o Tribunal competente.
Por fim, deixe-nos dizer-lhe que, embora sejam dolorosos, estes momentos de conflitualidade vão acontecendo com frequência na nossa vida. E se calhar, arrisco-me a dizer, que ainda bem que assim é. Como diria Augusto Hastenreiter: “Conheça o seu cônjuge no Divórcio, seus irmãos no inventário, seus filhos na velhice, seus amigos na dificuldade.”.
Até breve,
Margarida Ferreira Pinto
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