A divisão de herança e o processo de inventário

Na hora de dividir uma herança é frequente o conflito de interesses entre os herdeiros. Nestes casos, a partilha de bens deve de ser feita através do processo de inventário. Saber do que se trata e como se faz a distribuição da herança são algumas das informações que o vão ajudar a lidar com os factos e as emoções.

A morte de um familiar ou ente querido é uma das situações mais desgastantes da vida, pois à dor da perda junta-se a necessidade de resolver um conjunto de obrigações, umas mais imediatas do que outras. Pela minha experiência, diria que a mais complexa e a que pode gerar mais atrito nas famílias é a gestão da herança da pessoa falecida, nomeadamente, a sua transmissão e partilha.

Se fosse comigo e com a minha família, o que diria o meu “eu” advogada ao meu “eu” filha, irmã? Que é preciso ter calma. As discussões e as desilusões acontecem, principalmente na hora de partilhar uma herança. Vejo e revejo diariamente esta situação nas centenas de clientes que acompanho por ano.

E na base da maioria dos conflitos está o desconhecimento sobre o que a Lei estabelece. Por isso, quero partilhar consigo informação que contribua para o acalmar dos ânimos.

Como se faz a divisão da herança? Quem herda?

A transmissão da herança, que inclui os bens e as dívidas, faz-se da seguinte forma:

  1. O cônjuge e descendentes, isto é, os filhos; se não houver filhos, serão os netos;
  2. O cônjuge e ascendentes, isto é, os pais; se não houver pais, serão os avós;
  3. Os irmãos e seus descendentes, isto é, os sobrinhos;
  4. Outros familiares até ao quarto grau: primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos;
  5. O Estado, no caso de não haver outros familiares até ao quarto grau.

Estes são os herdeiros que a Lei estabelece, designados de herdeiros legitimários.

Para que outros que não os supra-indicados herdeiros legitimários beneficiem da herança, a pessoa falecida teria de expressar a sua vontade através de testamento, no notário e na presença de duas testemunhas. É o caso dos unidos de facto, que não têm direitos equiparados aos de um cônjuge em termos de herança, ou de entidades coletivas.

No que diz respeito à vontade expressa em testamento, esta tem de ser respeitada, não podendo gerar incumprimentos à lei nem à ordem pública.

As causas mais frequentes de conflito

Apesar de a Lei ser clara a definir quem são os herdeiros, há situações na gestão da herança que geram desentendimentos:

  • A nomeação do cabeça de casal

Como administrador da herança e até à sua partilha, assiste ao cabeça de casal poderes e deveres, como cobrar e pagar dívidas, comprar e vender bens, zelo e prudência, etc.. Habitualmente, esta função recai sobre o cônjuge ou no herdeiro mais próximo, mas pode atribuir-se a outro. Os herdeiros escolherão entre si e, não havendo acordo, a decisão final é a dos tribunais.

  • A gestão da herança indivisa

Os herdeiros podem discordar da forma como o cabeça de casal administra a herança indivisa, seja pela falta de prudência e de zelo, por não prestar contas e ocultar bens, ou pelo incumprimento de obrigações legais.

  • A herança permanecer indivisa

A herança indivisa é uma das fases do processo de sucessão, aquela em que o património ainda não foi distribuído pelos herdeiros. A herança pode manter-se assim por vários anos, tantos quantos os que os herdeiros acordarem, ou até ao momento em que um ou vários solicitarem a sua divisão.

  • A partilha de bens

A herança é dividida entre todos de forma proporcional, respeitando as quotas estabelecidas na Lei. Não raras vezes, os herdeiros legitimários não estão de acordo entre si quanto à distribuição de bens, contestando-a.

Nestas e demais situações, sempre que um ou vários herdeiros se sente lesado nos seus interesses e não se consiga chegar um entendimento entre todos, inicia-se o processo de inventário.

O processo de inventário

Este é um mecanismo que permite a partilha de bens em situações de conflito de interesses ou direitos lesados, como estabelecido na Lei:

  • quando não há o acordo de todos os beneficiários da herança;
  • quando é solicitado pelo Ministério Público para defender os direitos de um herdeiro sem capacidade jurídica;
  • quando um dos herdeiros não se manifesta por motivo de ausência em parte incerta ou por incapacidade de facto permanente.

Para se dar início a este procedimento é necessário fazer um pedido de abertura do processo, ao qual se apensa a documentação exigida, e entregá-lo num notário ou no tribunal competente (nos casos em que é da sua competência, por determinação na Lei).

O conselho que lhe deixamos para que consiga finalmente resolver o impasse que se gerou na sua vida é que, em primeiro lugar, reflita sobre a seguinte questão: há algum bem pertencente à herança com o qual deseja mesmo ficar?

Conhecer os seus objetivos é o primeiro passo para iniciarmos uma negociação e chegarmos a um acordo. Porque, tal como a experiência já me ensinou, “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”.

Se, por outro lado, até já avançou com o processo de inventário no Cartório Notarial mas está insatisfeito com o andamento do processo, informe-se junto de um advogado sobre a possibilidade de remeter o processo para o Tribunal competente.

Por fim, deixe-nos dizer-lhe que, embora sejam dolorosos, estes momentos de conflitualidade vão acontecendo com frequência na nossa vida. E se calhar, arrisco-me a dizer, que ainda bem que assim é. Como diria Augusto Hastenreiter: “Conheça o seu cônjuge no Divórcio, seus irmãos no inventário, seus filhos na velhice, seus amigos na dificuldade.”.

Até breve,

Margarida Ferreira Pinto

 

Para saber mais sobre a divisão de herança, sugerimos:

Direito da Família

Regime do Inventário Notarial 

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

error: