Assédio moral e a justa causa de Resolução do contrato de trabalho
Não raras vezes, assistimos a comportamentos intimidantes e ofensivos no local de trabalho. Alguns são praticados com o explícito intuito de atingir a autoestima e afetar o desempenho de colegas e colaboradores – é o assédio moral, e pode ter como solução a justa causa de resolução do contrato.
Há um tempo atrás, encontrei um colega da escola secundária e nem o reconheci de tão abatido e desmotivado que estava. Apesar de termos seguido percursos académicos diferentes, mantivemos o contacto ao longo destes anos e ele sempre foi uma pessoa alegre, de sorriso contagiante, sempre otimista e defensor das causas justas. Confidenciou-me que estava com problemas no emprego, o diretor fomentava um ambiente tenso entre a equipa e começara a tratá-lo de forma diferente: sobrecarregava-o de relatórios e mapas que o obrigavam a ficar no escritório até muito tarde, criticava o seu desempenho em frente dos colegas, parecia sempre zangado e falava-lhe com desprezo.
O meu colega andava constantemente enervado, sem paciência para brincar com as filhas. Não queria preocupar a mulher, por isso evitava conversar com ela e afastava-se para que ela não percebesse. Sentia-se desorientado, não sabia o que fazer, só sabia que não podia sair daquele emprego.
Infelizmente, e à semelhança daquele meu colega, a maioria de nós já viveu ou assistiu a situações de comportamentos intimidantes e hostis praticados no local de trabalho com o objetivo de provocar instabilidade psicológica e diminuir a qualidade do desempenho laboral. Estes comportamentos são considerados assédio moral no trabalho.
Se este é o seu caso, seja como vítima ou testemunha, é importante que saiba que há formas de resolver a situação e que estão consagradas na lei.
O que é o assédio moral no trabalho?
O que é o assédio moral no trabalho segundo a lei?
É no artigo nº 29 do Código do Trabalho que encontramos a definição de assédio moral no trabalho:
«Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.»
Quem pode ser vítima de assédio no trabalho?
Qualquer pessoa, seja mulher ou homem, pode ser vítima de assédio moral ou sexual, independentemente da categoria e função profissional, e do tipo de vínculo à entidade/empresa. As vítimas podem ser colegas de trabalho, superiores hierárquicos, fornecedores e prestadores de serviços, e clientes.
E quem pode ser a pessoa que assedia no local de trabalho?
Da mesma forma, qualquer pessoa, seja homem ou mulher, que tenha acesso à entidade/empresa pode praticar atos de assédio moral ou sexual: colegas de trabalho, superiores hierárquicos, fornecedores e prestadores de serviços, e clientes.
Como reconhecer o assédio moral no trabalho?
Geralmente, o assédio no trabalho começa por comportamentos ou atos muito subtis, pelo que nem sempre é imediatamente percetível. Aprender a reconhecê-los vai ajudá-lo a lidar com a situação o mais cedo possível e a agir rápido e em conformidade. Eis os exemplos mais comuns:
- fazer comentários maliciosos sobre o outro: a vida pessoal, atributos físicos, doenças e/ou deficiências, estilo de vida, religião, etc.; na maioria das vezes, estes comentários começam como uma “simples” brincadeira, com humor e ironia, e tornam-se mais regulares e maliciosos;
- espalhar rumores;
- esconder informações necessárias ao exercício das tarefas/funções do colega, mas partilhá-las com os outros;
- desvalorizar o trabalho e desempenho do outro;
- apropriar-se constantemente da autoria das ideias e dos trabalhos dos colegas (da mesma categoria ou subordinados);
- ignorar, fazer críticas negativas, desprezar e/ou humilhar colegas (da mesma categoria ou subordinados), que muitas vezes se isolam e evitam o contacto com os outros;
- dar instruções de trabalho confusas e até contrárias;
- definir objetivos e/ou prazos impossíveis de atingir ou cumprir;
- entregar tarefas ou trabalhos de carácter urgente quando se aproxima o fim do turno;
- comunicar em tom agressivo, usando linguagem inadequada e ofensiva, e até gritar;
- sobrecarga de tarefas e/ou atribuir tarefas inadequadas à função e/ou categoria profissional;
- retirar qualquer tarefa e/ou função, provocando a ausência de ocupação efetiva do posto de trabalho;
- transferir o trabalhador de setor com o objetivo de o isolar;
- provocar situações explícitas de stresse e de conflito, para forçar o outro a reações descontroladas;
- outras.
Como agir em caso de assédio moral?
Antes de mais, saiba que o assédio, moral ou sexual, é proibido por lei, tal como está expresso no nº1 do artigo nº 29 do Código do Trabalho. Consequentemente, a lei garante proteção às vítimas e às testemunhas, e aplica sanções a quem pratica o assédio.
Expor a situação
Assim, é muito importante que se tome medidas para restabelecer o bem-estar e integridade da vítima, mas também do ambiente de trabalho, já que a existência de assédio moral acaba por afetar, direta ou indiretamente, os outros colaboradores.
O primeiro passo a dar é partilhar a situação com colegas, família e amigos. Depois, deverá enfrentar a pessoa e comunicar-lhe, clara e assertivamente, o seu desagrado e procurar um entendimento.
Denunciar a situação
Quando o tipo de comportamentos persiste, mesmo depois de tentar resolver a situação com o autor do assédio, é a altura de denunciar o assédio a nível interno, junto de hierarquias superiores, e/ou a nível externo, junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) ou da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).
Há consequências para quem denuncia a situação de assédio moral? E para quem assedia?
A lei garante que os denunciantes, vítimas ou testemunhas, não podem ser alvo de represálias [nem] por parte da entidade empregadora, nem de outra. Já para quem assedia há consequências, pois a prática de assédio constitui uma contraordenação muito grave.
Como se resolve a situação: é possível o trabalhador desvincular-se por justa causa?
Após a denúncia e ficando provada a prática de assédio, é necessário punir o autor do assédio, aplicando-se as sanções previstas na lei, e procura-se restabelecer o bem-estar da pessoa lesada e do ambiente no local de trabalho, na proporção dos danos sofridos e em conformidade com o previsto no Código do Trabalho. De que forma?
A vítima pode cessar o contrato por justa causa?
Uma das formas de compensar os danos sofridos é através da atribuição de indemnização. No entanto, e se entender ser o melhor para si, o lesado pode cessar o seu vínculo laboral: a prática de assédio no local de trabalho é considerada justa causa na resolução do contrato de trabalho.
Fico contente ter encontrado o meu colega naquele dia, porque a nossa conversa permitiu-lhe dar o primeiro passo: desabafar e partilhar com alguém. A partir daí, tudo se começou a resolver.
Se assistiu ou vivenciou, na primeira pessoa, comportamentos passíveis de configurar assédio moral, faça um favor a si e aos que o amam: não alimente nem perpetue essa situação!
Como é que o poderá fazer? Assim que tomar consciência do Assédio Moral deve comunicar à entidade empregadora a Resolução do Contrato de trabalho com justa causa.
Quando receber chamadas do autor do assédio com teor ofensivo, informe-o que as vai colocar em alta voz para que não seja a única pessoa a ouvi-las. Procure ainda anotar o nome completo e a morada dos seus colegas de trabalho: são eles que poderão vir a testemunhar em Tribunal a humilhação e todos os danos que sofreu, ainda que não os merecesse!
Hoje em dia, o meu amigo entende perfeitamente as minhas palavras, quando um dia lhe disse que: “As pessoas só fazem connosco aquilo que permitimos que elas façam”.
Está, por isso, nas suas mãos, “dizer não” ao Assédio moral.
Despeço-me com estima, até breve
Margarida Ferreira Pinto
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