Como deve ser feita a cobrança de dívidas?
Agravadas em tempo de pandemia e de crises económicas, as situações de incumprimento de obrigações pecuniárias continuam a ser uma realidade e nem sempre o seu pagamento é feito de forma voluntária. Como proceder, então, para fazer a cobrança de dívidas? Conheças as medidas fixadas na Lei.
Engana-se quem pensa que na discoteca só se dança. Numa discoteca pode acontecer muita coisa: há quem dance, quem beba e há ainda aqueles que, apesar do barulho, conseguem adormecer. Tenho de lhe confessar um dos meus maiores segredos: eu já fui uma dessas pessoas.
Costumo dizer que sempre fui abençoada com uma capacidade incrível para adormecer, em qualquer lado. Nunca percebi muito bem porque é que as pessoas têm insónias, acordam a meio da noite, ou nem sequer conseguem adormecer. Na verdade, isso não existe no “meu mundo”. De facto, nesta vida de empreendedor, há poucas coisas que me tiram o sono.
Uma delas é quando faço o meu trabalho, com todo o rigor e profissionalismo, e no fim, apesar do cliente prometer que vai pagar, isso não acontece. Nesse momento, chegamos a duvidar de nós e do tempo que investimos a trabalhar para aquela pessoa.
A cobrança extrajudicial: recuperar a dívida de forma amigável
Sou da opinião de que a primeira ação para resolver qualquer conflito é procurar um entendimento entre as partes sem recorrer à via judicial, o mesmo se aplicando à recuperação de dívidas. Este é, aliás, um caminho que a lei encoraja, simplificando os meios que vão garantir os direitos e as responsabilidades do credor e do devedor.
A carta de interpelação
É o primeiro passo a dar no sentido de se chegar a um acordo e trata-se de um documento dirigido ao devedor através do qual o credor oferece a oportunidade de se liquidar a dívida de forma voluntária.
Nesta carta, o credor deve indicar a quantia em dívida, propor a forma e o método de pagamento, e o prazo de pagamento, integral ou parcelado. Se se optar pelo pagamento parcelado, deve incluir-se o plano de pagamento, com valores e datas de vencimento.
Na carta de interpelação, o credor deve ainda indicar a data-limite para o devedor retribuir resposta e acertar a sua dívida, e adverti-lo das consequências caso não haja acordo entre as partes.
A resposta do devedor vai determinar o próximo passo: firmar o acordo ou recorrer à via judicial.
O acordo de pagamento
Partindo do pressuposto de que as partes entendem, o próximo passo é redigir um documento com os termos e as condições que regem o acordo de pagamento voluntário da dívida, assinado pelas partes e devidamente autenticado por um notário ou por um advogado.
A autenticação é importante, porque comprova que o documento expressa o compromisso assumido entre o devedor e o credor, sendo suficiente para tornar o Acordo de pagamento num mecanismo que conduza à cobrança judicial, caso o devedor não faça voluntariamente o pagamento.
Assim, quando existe alguma dívida, é mais do que conveniente e prudente possuir o documento designado de título executivo, pois o seu vínculo legal permitir-lhe-á avançar com a ação executiva.
O título executivo
É um documento que faz prova da existência de uma obrigação que pode ser pecuniária, de prestação de coisa ou de facto, de meios ou de resultados.
Este documento pode ser de variada natureza: fiscal, judicial, particular e administrativa. Veja-se alguns exemplos: os acordos de pagamento, devidamente autenticados por um notário ou um advogado; as atas de condomínio; os cheques bancários; as sentenças de tribunais, incluindo as decisões do Balcão Nacional de Injunções (explicado mais abaixo).
A cobrança judicial: quando não há acordo
Infelizmente, muitas são as vezes em que não há entendimento entre as partes, seja pelo facto de o devedor não assumir a dívida ou não responder às tentativas de interpelação do credor, pela falta de acordo quanto à forma e método de pagamento, ou por outros motivos.
Nestes casos, é necessário acionar mecanismos legais com outra “força” – têm consequências mais severas para os devedores e mais eficientes para os credores.
O requerimento de injunção
Trata-se de obter a injunção de um título executivo. E o que significa a injunção em Direito? É uma providência, ou disposição, que legitima a exigência do cumprimento das obrigações que o devedor tem para com o credor.
O requerimento de injunção é uma medida que permite ao credor obter o pagamento do seu crédito de forma rápida e simplificada, sem recorrer à ação judicial e, até, sem necessidade de deslocações. Como?
O pedido é feito através da plataforma Balcão Nacional de Injunções, preenchendo-se o formulário para o efeito. Após a receção e processados todos os dados, o Balcão Nacional de Injunções notifica o devedor, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para liquidar a sua dívida ou para opor-se.
Se ainda assim, o devedor se escusar ao pagamento ou a qualquer resposta, o Balcão Nacional de Injunções entrega ao credor um título executivo, permitindo-lhe acionar outra das medidas para recuperar o seu dinheiro ou bem – o processo de execução
O processo de execução
O processo de execução é a medida que permite ao credor efetuar a cobrança coerciva da dívida e pode conduzir à penhora dos bens e dos rendimentos do devedor. Para se abrir este tipo de processo é necessário entregar no tribunal judicial um requerimento elaborado por um advogado, no qual se deve indicar quem é o agente de execução, isto é, a pessoa ou entidade que vai proceder à cobrança da dívida.
Ao agente de execução cabe fazer todas as diligências para garantir que é feito o pagamento da obrigação, tendo autorização para obter todo e qualquer tipo de informação sobre os bens e rendimentos do devedor, e para executar a penhora dos mesmos.
Antes de continuar, é importante que lhe diga que a penhora dos bens e rendimentos é sempre feita considerando a situação socioeconómica do devedor e que lhe é dada, em todas as fases, a oportunidade de pagar voluntariamente a sua dívida.
O pedido de insolvência: quando não há bens para penhorar
Este é o último recurso que as pessoas singulares, as instituições e as empresas têm para recuperar dívidas e é acionado quando não se consegue apurar bens e rendimentos do devedor.
Assim, é feito o pedido para que o devedor seja declarado insolvente, isto é, incapaz de cumprir as suas obrigações por falta de recursos, meios ou condições.
Perante a situação de insolvência do devedor, procede-se à liquidação total do património e a receita reverte a favor do credor, ou credores.
Contudo, às vezes a massa insolvente é insuficiente para a satisfação de todas as dívidas dos credores. Por isso, a sua decisão de pedir a insolvência de um devedor, deve ser antecedida da devida ponderação.
Apesar de este conjunto de medidas para a recuperação de crédito ter sido pensado para facilitar o processo, a verdade é que pode ser exigente a vários níveis: tempo, paciência, recursos e sabedoria. Recorde-se de que, muitas vezes, é uma situação delicada que envolve desemprego, carências económicas, perda de clientela e consequente ausência de faturação, etc.
Enquanto empreendedores, é compreensível que estas situações nos vão tirando o sono. Mas a verdade é que não podemos abdicar de uma boa noite de sono. Ela é essencial para o nosso equilíbrio físico e mental e, consequentemente, para o crescimento da nossa empresa.
Se é como eu, e de vez em quando, se apercebe que há alguma fatura em dívida que lhe está a tirar o sono, por favor, relaxe. Os mecanismos legais existem para que consigamos cobrar as dívidas no menor tempo possível. Uma das formas de encurtarmos esse tempo e evitarmos alguma morosidade, é fazermos um Acordo de Pagamento, autenticado por notário ou por advogado. Se assim for, não precisamos de avançar com o processo de injunção e podemos avançar diretamente para o processo de execução.
Por outro lado, não se assuste se vir que o devedor não aufere um salário mensal ou não tem imóveis em seu nome. Existe sempre a alternativa de se penhorar os bens móveis. Costumo dizer aos meus clientes que “só a morte, não tem remédio”. E não é, que é mesmo assim?
Despeço-me com estima, até breve
Margarida Ferreira Pinto
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