O despedimento ilícito ou sem justa causa
O despedimento é uma das experiências mais difíceis da vida profissional tanto de empregadores como de trabalhadores. Imagine-se quando esta situação se deve, não a dificuldades financeiras das empresas nem à vontade do trabalhador, mas a ressentimentos e preconceitos – é o despedimento ilícito ou sem justa causa.
Quem me dera ficar morena no Verão. Mas não. Fico mesmo em modo caranguejo, com a pele a borbulhar. Ou será camarão? Bem, de qualquer maneira, sempre senti que os escaldões me perseguiam. O lema de todos os Verões era “bronzear sem torrar”, o que, no meu caso nunca aconteceu. Sim, sou daquelas que teve mesmo de aderir à moda do protetor fator 50+. É certo que hoje em dia já tenho mais consciência dos cuidados que tenho de ter com a minha pele no Verão, evito a exposição ao sol nas horas mais “perigosas”. Mas quando era mais nova bem que me diziam “tem cuidado, olha pela tua saúde”, que eu nem queria ouvir. Achava que os azares só aconteciam aos outros.
Sabe porque lhe conto isto? Porque vivemos a nossa vida a acreditar que os azares só acontecem aos outros. Até que, um dia, o azar nos bate à porta, na casa ou no trabalho. Num dia temos tudo e, no outro, ficamos sem nada. E é nessa altura que damos de frente com o Despedimento Sem Justa Causa (aquele “monstro” que pensávamos que só acontecia aos outros). E que, na maior parte das vezes, vem travestido de decisão tomada num processo disciplinar, quando na realidade, a entidade empregadora apenas nos quer descartar, da forma mais rápida e económica possível porque, simplesmente, se incompatibilizou connosco ou quer reduzir custos, sem proceder ao pagamento dos nossos direitos.
O despedimento é uma das experiências mais difíceis na vida profissional de qualquer pessoa, chegando a ser desesperante quando se entende não haver justa causa para a decisão da entidade patronal.
As situações que a lei considera legais para existir o fim do vínculo de trabalho são a caducidade do contrato e a sua revogação, o despedimento por facto imputável ao trabalhador, o despedimento coletivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho, o despedimento por inadaptação, por resolução do trabalhador ou por denúncia.
Estes são os motivos para o despedimento legal ou para a cessação do contrato de trabalho por acordo mútuo. Quando o despedimento não se enquadra em alguma destas situações, estamos perante o despedimento sem justa causa.
Que causas a lei considera ilícitas para o despedimento e o que fazer neste caso?
Que motivos estão na base do despedimento sem justa causa ou ilícito?
Apesar de o Código do Trabalho distinguir despedimento sem justa causa de despedimento ilícito, a verdade é que a lei procura proteger os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, e neste sentido estabelece as situações em que é proibido ao empregador despedir alguém e as situações em que os motivos apresentados são considerados ilícitos, ou seja, falsa “justa causa”:
motivos baseados na ascendência, na idade, no sexo e na identidade de género, na orientação sexual, no estado civil e na situação familiar, na situação económica, na instrução, origem ou condição social, no património genético, na capacidade de trabalho reduzida, na deficiência, e doença crónica, na nacionalidade, na origem étnica ou raça, no território de origem, na língua, na religião, nas convicções políticas ou ideológicas e na filiação sindical;
gravidez, parto, licença parental inicial em qualquer das suas modalidades;
motivos com justificação considerada improcedente;
procedimentos inválidos no despedimento por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho, por inadaptação e no despedimento coletivo;
violação das garantias, liberdades e direitos do trabalhador.
O que fazer numa situação de despedimento sem justa causa?
Antes de mais, alerto para o facto relevante de que é dever da entidade patronal avisar antecipadamente o trabalhador da sua decisão, apresentando os seus motivos, e de que este tem o direito a aceder ao dossiê que o empregador tem dele. Neste tipo de pastas, a entidade patronal arquiva toda a documentação relativa aos funcionários, incluindo formações frequentadas, avaliações, etc.
Solicitar aos recursos humanos a consulta ao seu dossiê
Assim e quando não está esclarecida a causa do despedimento, o primeiro passo é solicitar a consulta àquele dossiê para analisar, por exemplo, avaliações de produtividade e desempenho.
Conteste ou impugne a decisão da entidade patronal
Se continua convicto de que o despedimento não tem causas lícitas, então, o segundo passo a dar é
impugná-lo, avançando junto do Tribunal do Trabalho com uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. O requerimento é feito através de formulário, a preencher pelo próprio trabalhador e entregue na secretaria daquele tribunal no prazo de 60 dias (dois meses) desde que tomou conhecimento da decisão de despedimento.
Instaura-se, então, o processo judicial e a entidade patronal será chamada a fazer prova das causas que levaram ao despedimento do trabalhador. A decisão final caberá ao juiz, pois só ele é que pode apreciar se um despedimento é lícito ou não.
Que desfecho resulta da impugnação do despedimento?
Confirmando-se a ilegalidade do despedimento, há dois desfechos possíveis, cabendo ao trabalhador escolher:
ser reintegrado na empresa;
receber uma indemnização cujo montante é estabelecido pelo tribunal, mas que será determinado dentro dos seguintes limites: “entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de ano de antiguidade, com o limite mínimo de três meses de retribuição base e diuturnidades”.
Em ambos os casos, e desde que o requeira ao Tribunal e faça prova dos danos alegados, o trabalhador tem sempre direito a receber os salários que deixou de receber por ter sido despedido e a uma compensação por danos sofridos.
Aquela frase, proferida pelos meus pais em todos os verões: “tem cuidado, olha pela tua saúde”, continua a ecoar dentro de mim e a fazer todo o sentido atualmente. Não que eu passe muito tempo ao sol (porque com o frenesim do dia-a-dia do trabalho não temos muito tempo para descansar). Mas, porque, de facto, às vezes entregamo-nos tanto àquela que entendemos ser a nossa missão e à nossa entidade empregadora, que nos esquecemos do mais elementar: ter cuidado com as intenções do outro e olhar pela nossa saúde.
Talvez hoje o azar que até então atingia os outros, lhe tenha calhado a si. Se for o caso, não ceda à tentação de se sentir lixo e completamente deprimido. Felizmente, nós somos o resultado de todas as dimensões da nossa vida e não apenas do que nos acontece a nível profissional. Para além disso, já dizia Good Witch “O que acontece não nos define. Somos definidos pela forma como reagimos ao que acontece connosco”.
Se foi confrontado com um despedimento sem justa causa, levante-se, erga a cabeça, vá buscar forças a quem realmente o valoriza, reúna todas as provas documentais e testemunhais e procure um advogado que o compreenda e que o ajude a dar o próximo passo: impugnar o seu despedimento ilícito e lutar pela indemnização a que tem direito.
Despeço-me com estima, até breve
Margarida Ferreira Pinto
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