O Processo de Insolvência Pessoal

Podemos ajudar?

Não acreditarias em mim se te dissesse que sempre fui maria rapaz e que adorava jogar à bola. Os rapazes escolhiam-me para estar à baliza, provavelmente com medo de me aleijar. Acontece que, ainda assim, eu me aleijava na mesma: fraturei pulsos, abri joelhos, enfim, uma dor de cabeça para toda a minha família. Confesso que teria sido mais fácil se eu tivesse reconhecido que não estava em condições nem de jogar ao ataque no relvado, nem à defesa como guarda-redes.

Na nossa vida, por mais que queiramos prosperar e realizar os nossos objetivos, às vezes precisamos de reconhecer que não dá mais. Já não conseguimos negociar mais créditos, nem planos de pagamento. É a altura de dar um passo atrás, para dar dois em frente. Precisamos desesperadamente de obter o perdão das nossas dívidas e de recomeçar uma nova vida. Precisamos que não nos deixem afogar na imensidão de contas e despesas mensais que se vão acumulando mês após mês. E a verdade… é que não estamos sozinhos, nem somos caso único.

Atento o contexto excecional de emergência de Saúde Pública que temos vivido nos últimos dois anos, bem como a inflação dos preços, a realidade económico-financeira do país está a determinar o encerramento de diversas áreas do tecido empresarial português, mas, por outro lado, está a afetar também as famílias portuguesas a nível pessoal, devido a uma perspetiva num futuro próximo de uma crise económica e social sem precedentes.

Em resultado das medidas adotadas em controlo da COVID-19, inúmeras pessoas singulares, viram-se impedidas temporariamente do exercício da sua atividade profissional com a consequente diminuição abrupta dos seus rendimentos, chegando nalguns casos até a terem de cessar a sua atividade. Para agravar a situação, desde o início da crise financeira, o índice de preços do consumidor é cada vez mais alto devido à inflação que está a envolver o nosso país, o que leva as famílias portuguesas a despender cada vez mais os seus rendimentos em alimentação, energia e combustível.

Com toda esta situação, em muitos casos, a pessoa singular deixa de ter capacidade de honrar os seus compromissos e de satisfazer os seus credores, o que, consequentemente conduz à situação de insolvência.

Deste modo, a situação de insolvência consiste na situação do devedor – pessoa singular, empresa (sociedade unipessoal por quotas, sociedade por quotas e sociedade anónima) ou outra pessoa coletiva – que, num determinado momento, se encontra incapaz de cumprir com as suas obrigações.

As pessoas que não têm capacidade, no seu tempo de vida, de liquidar as suas dívidas têm a possibilidade de recorrer ao processo de insolvência.

O processo de insolvência inicia-se por apresentação do devedor, ou pode ainda ser desencadeado por um credor, por um sujeito legalmente responsável pelas dívidas do devedor ou pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão confiados. A apresentação ou o requerimento podem ter lugar a todo o tempo.

O processo de insolvência é um processo de apreensão e execução universal dos bens de um devedor insolvente com vista à sua liquidação a favor dos credores, seja através de um procedimento legalmente previsto, seja através de um específico plano de insolvência aprovado pelos credores, no qual poderão ser previstas medidas de reestruturação do passivo.

Assim, a declaração de insolvência pode evitar que uma pessoa sobreendividada fique para sempre com dívidas que não consegue pagar e recuperar financeiramente.

Contudo, esta deve ser uma solução de último recurso, já que acarreta algumas consequências para a vida do devedor.

Além do processo de insolvência ser um processo complexo, a pessoa declarada insolvente será privada da administração dos seus bens e a sua autonomia financeira ficará fortemente condicionada. A sua administração é entregue a um administrador, com vista a satisfazer os credores da insolvência. Nesse sentido, o devedor fica privado de quaisquer poderes de administração ou de disposição sobre os seus bens, de tal modo que, serão ineficazes, relativamente à massa insolvente, quaisquer negócios que celebre sobre eles.

Para além disso, o tribunal decreta a venda dos bens do devedor (como, por exemplo, a casa e o carro) para o pagamento das dívidas. Todas as ações executivas pendentes sobre os bens da pessoa insolvente, como penhoras, ficam suspensas.

Se a venda dos bens não for suficiente para garantir a liquidação de todas as dívidas, o devedor continuará responsável por elas após o encerramento do processo de insolvência. Para evitar que tal aconteça, o requerimento inicial pode ser acompanhado de um pedido de perdão da dívida que não seja liquidada durante o processo de insolvência – a exoneração do passivo restante. No entanto, tal pedido tem de ser feito no prazo de seis meses após a verificação da situação de insolvência, sob pena do pedido de exoneração ser liminarmente indeferido.

Nessa sequência, para que o indeferimento do pedido tenha lugar nesses termos têm de se verificar cumulativamente alguns requisitos, nomeadamente:

  • a entrada do pedido depois de decorrido o prazo de seis meses após a verificação da situação de insolvência;
  • o prejuízo para os credores e,
  • o devedor, que sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, de que não havia qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica.

Assim, no caso de o devedor, pessoa singular não titular de empresa, se apresentar à insolvência já passado o prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, o pedido de exoneração do passivo restante ainda pode ser deferido, caso essa delonga não se traduza em prejuízo para os credores, sendo que a acumulação de juros não se considera como prejuízo.

Em alternativa à exoneração do passivo restante, o requerente pode apresentar juntamente com o pedido inicial de insolvência um plano de pagamento aos credores. Este plano deve ser sujeito à aprovação de todos os credores e, caso seja aceite, o devedor terá de cumpri-lo de acordo com o que foi homologado pelo tribunal. A adoção do plano de pagamentos tem como principal vantagem evitar que o devedor fique privado da administração do seu património, já que não ocorre a venda de bens.

Com o encerramento do processo insolvencial, cessam os efeitos da declaração de insolvência. Ou seja, o devedor recupera a disposição e administração dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios.

Como vê, a boa notícia é que, para todos os problemas, há uma solução!

Se pretende realmente equacionar a possibilidade de se apresentar à insolvência e pedir o perdão de dívidas, deve começar por juntar todas as faturas respeitantes às despesas mensais que tem. É com base numa análise das suas despesas e dos seus rendimentos que o tribunal fixa o rendimento disponível que o devedor deverá ceder durante os três anos seguintes, para a conta da massa insolvente.

Sabe o que acontecerá depois disso?

Recomeçará a sua vida, sem o peso das dívidas antigas e sem julgamentos. Limpará o seu nome e reencontrará a esperança de poder dar à sua família um futuro melhor.  

Despeço-me com estima, até breve

Margarida Ferreira Pinto

Para saber mais sobre Direito da Insolvência, sugerimos que nos contacte ou consulte estas páginas:

Direito da Insolvência

Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

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