processo de maior acompanhado

Quando os nossos familiares se encontram numa situação de incapacidade diminuída e precisam de apoio, somos assolados por inúmeras dúvidas e preocupações. O que fazer para lhes dar a melhor qualidade de vida possível sem lhes retirar direitos nem autonomia? A resposta está no regime do maior acompanhado.
 

Desde que foi para o lar, o ponto alto do dia da minha avó é a hora do chá. E bebe-o, todos os dias, na sua chávena de porcelana. Saber que ainda tem este hábito dá-me forças para a manter lá, de alguma forma alivia-me… sabe, sinto que a abandonámos quando mais precisava de nós.

Apesar de entender que no lar a minha avó tem um tipo de acompanhamento que nós não lhe poderíamos dar, pergunto-me muitas vezes se é bem tratada, se recebe a medicação adequada ou se estão a negligenciar alguns cuidados de saúde. E antes de ir para o lar, questionei-me se ela iria precisar de acompanhamento para qualquer ato ou apenas para movimentar a sua conta bancária e transferir a sua pensão de reforma. E, já agora, quais seriam as implicações de um processo judicial?

Se tem um familiar a precisar de acompanhamento, com certeza tem as mesmas dúvidas e preocupações do que eu. E se ainda não sabe o que fazer para o apoiar e garantir o seu bem-estar, sem que seja declarado incapaz ou interdito como antigamente, vou partilhar consigo um guia breve sobre o processo do maior acompanhado.

Até agosto de 2018, o processo era mais complexo e considerava aqueles familiares que ainda conseguiam ter alguma autonomia como pessoas interditas e incapazes de gerir a sua vida e os seus bens.

Mas em agosto de 2018, houve uma mudança e foi aprovado o regime especial do maior acompanhado, que nos permite apoiar os nossos familiares de forma positiva e proporcional às suas necessidades, mesmo quando têm de ficar ao cuidado de alguém. Ou seja, as medidas aplicadas limitam-se apenas ao necessário e podem variar entre a representação geral, a administração total ou parcial de bens ou outras intervenções devidamente especificadas.

Guia prático para entender o processo do maior acompanhado

O que é o regime do maior acompanhado?

Trata-se de um conjunto de medidas de acompanhamento dirigidas ao maior acompanhado e com os seguintes objetivos:

  • garantir o bem-estar;
  • promover a recuperação;
  • assegurar os direitos, liberdades e garantias, bem como o cumprimento dos seus deveres;
  • permitir que se possa escolher por quem quer ser acompanhado;
  • impedir ou evitar que outros tomem decisões que sejam prejudiciais à pessoa ou que esta fique à mercê da vontade arbitrária ou abusiva de terceiros.

Quem é o «maior acompanhado»?

É a pessoa maior de 18 anos que, por motivos de saúde, de deficiência ou de comportamento (ex.: toxicodependência, alcoolismo), esteja impossibilitada de exercer os seus direitos, cumprir as suas obrigações e cuidar dos seus bens de forma pessoal, plena, livre e consciente, necessitando do apoio de outra pessoa.

Quem é o «acompanhante»?

É a pessoa ou pessoas incumbidas de apoiar o maior no exercício dos seus direitos e deveres, ou de o representar na tomada de decisões de âmbito pessoal ou patrimonial.

Quem pode ser acompanhante?

Qualquer pessoa maior de 18 anos e que se encontre no pleno exercício dos seus direitos pode ser escolhida. O regime permite que sejam escolhidas mais do que uma pessoa, mas é o tribunal que decide as responsabilidades de cada acompanhante. O acompanhante pode ser o cônjuge, o unido de facto, um filho adulto, os pais ou os avós, e até a instituição que o maior acompanhado frequente, viva ou esteja internado.

Quem escolhe o acompanhante?

É escolhido pelo maior ou pelo tribunal, dependendo das circunstâncias, e é possível mudar de acompanhante, basta solicitá-lo ao tribunal.

Que responsabilidades tem o acompanhante?

Compete ao acompanhante zelar pelo bem-estar e recuperação do maior acompanhado, bem como apoiar o maior acompanhado e intervir naquilo que o tribunal determinar. As responsabilidades do acompanhante estão sempre limitadas, havendo situações em que só pode agir mediante autorização do tribunal, como no caso da venda de bens do maior ou no seu internamento.

Quem pode pedir acompanhamento?

Qualquer pessoa maior de 18 anos pode pedir medidas de acompanhamento e escolher antecipadamente o seu acompanhante, sendo respeitada a sua vontade. No entanto, o Ministério Público, o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente em grau sucessível (ex.: filhos, avós) também podem pedir aquelas medidas.

Quem decide sobre as medidas de acompanhamento?

É o tribunal, e apenas o tribunal, quem decide as medidas de acompanhamento e após analisar o caso: depois de se efetuar o Relatório Pericial por um perito a atestar do exame médico-legal, o juiz faz a análise ao estado mental do maior acompanhado e o diagnóstico com conclusões sobre o seu grau de incapacidade de desempenho pessoal.

Como se pede o acompanhamento?

O pedido de acompanhamento é feito através do Ministério Público ou de um advogado. Para se dar início ao processo é necessário entregar a documentação clínica que ateste a incapacidade da pessoa, os seus dados de identificação e os da pessoa que escolhe como seu acompanhante.

O regime do maior acompanhado é uma situação definitiva?

As medidas de acompanhamento não são definitivas, sendo obrigatório avaliar-se, de cinco em cinco anos, o contexto clínico e social que deu origem ao pedido do maior acompanhado. Para além disto, a qualquer momento podem ser revistas as medidas, desde que solicitado ao tribunal e sempre com base na evolução da incapacidade do maior – a pessoa pode recuperar e deixa de necessitar de acompanhamento, ou pode ficar com uma incapacidade aumentada e necessitar de mais apoio. 

Desejo que estas informações básicas o possam ajudar a sentir-se mais confiante no  regime especial do maior acompanhado como uma forma de trazer qualidade de vida ao seu familiar e de o proteger de eventuais perigos. Quero dizer-lhe que, tal como eu, está a dar o seu melhor. A mim, sossega-me saber que, apesar da distância que às vezes se faz sentir, há sempre alguém que dá à minha avó uma chávena na hora do chá.

 

Despeço-me com estima, até breve

                                          Margarida Ferreira Pinto

 

Para saber mais sobre o processo do maior acompanhado, sugerimos que nos contacte ou consulte estes links:

Direito da Família 

Regime Jurídico do Maior Acompanhado

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