O que fazer para reclamar créditos de uma insolvência?
A insolvência de empresas e a incapacidade económica de pessoas singulares têm como uma das consequências, a impossibilidade de cumprir com as suas obrigações, gerando situações desesperantes: atrasos de salários e despedimentos, falta de pagamento de bens e serviços, e dívidas a terceiros. Se se encontra nesta situação, saiba o que fazer para reclamar os seus créditos e recuperar o seu dinheiro.
As sapatilhas que tenho calçadas hoje são demasiado confortáveis. Não é que seja mau. Eu adoro sapatilhas. Mas até parece estranho sentir-me tão confortável. Se calhar porque a experiência me ensinou que a vida acontece quando saímos da nossa zona de conforto e nos permitimos sentir desconfortáveis. Mas nem sempre é fácil colocarmo-nos nessa situação. Até porque nos habituamos ao conforto, a um emprego fixo, a um salário mensal, à estabilidade financeira, à segurança de ter com o que contar ao final do mês. Por isso, às vezes precisamos que a vida nos coloque alguns obstáculos no nosso caminho, para nos fazer reagir.
Imagino isso quando penso na empresa para a qual trabalharia se hoje não fosse advogada por conta própria. Provavelmente, a minha entidade empregadora seria mais uma das muitas empresas que, por esta altura, depois de tamanha crise económica, já estaria insolvente. Apanhados desprevenidos, tal como eu, os meus colegas funcionários sentir-se-iam completamente perdidos.
A maioria das pessoas é da opinião de que nós, os advogados, estamos acima das circunstâncias e que não sofremos os seus efeitos. Mas verdade é que vivemos todos a mesma realidade, estamos todos sujeitos aos mesmos riscos – como o de não receber o dinheiro que nos é devido pelo trabalho prestado ou pelo pagamento de um serviço que foi interrompido pelo fornecedor ou pelo cliente. Situações em que empresas ou pessoas singulares se viram em graves dificuldades económicas.
Também eu já passei pelo mesmo, sim, ter um cliente que enfrentou adversidades financeiras e não pôde cumprir com as suas obrigações, uma empresa que enfrentou uma crise profunda e que, apesar de todos os esforços, teve de declarar insolvência. Uma situação que se tornou ainda mais desesperante por envolver despedimento de funcionários (e a precaridade de algumas famílias) e dívidas a fornecedores de bens e serviços, das quais também eu não escapei como credora.
O facto de ser uma profissional do Direito não me protegeu das inevitáveis consequências, apenas me deu o conhecimento e a experiência para lidar com este tipo de circunstância. À semelhança das pessoas e famílias que tinham contratos com aquela empresa, também eu senti receio e desespero. Mas ter acesso à informação e saber o que fazer para reclamar os meus créditos fez toda a diferença.
Tenho a certeza de que, também para si, esta informação será essencial, se for este o seu caso ou de alguém próximo, por isso partilho consigo o que fazer para reclamar os seus créditos e recuperar o seu dinheiro.
Comece pela via da negociação
Se tem acompanhado os meus artigos, já sabe que recomendo, qualquer que seja o litígio, começar por dialogar com as partes envolvidas e expor o problema, procurando ter bom senso e calma para propor soluções. Muitas vezes, o acordo extrajudicial não é possível, não pela falta de vontade das partes, mas pela falta de recursos do devedor.
O que fazer, então? Vai ter de reclamar os seus créditos, podendo fazê-lo no processo judicial em curso, que não será, necessariamente, o processo de insolvência.
Reclamar em Processo Especial de Revitalização
O Processo Especial de Revitalização (PER) é um mecanismo criado para os devedores que estão em crise, mas que ainda têm hipótese de recuperar financeiramente e de evitar a insolvência. Através do PER, os devedores, nomeadamente, as empresas continuam com atividade aberta para negociar com os credores e tentar soluções convenientes.
Assim que o PER entra em vigor, toda e qualquer ação de cobrança coerciva de dívidas fica suspensa e não é permitido acionar qualquer meio judicial para cobrar dívidas e recuperar bens, serviços ou dinheiro. No entanto, e porque este processo é considerado urgente, esta é uma forma de o credor ver atendida a sua reclamação.
Como fazer para reclamar num PER?
O credor deve reclamar por escrito ao administrador judicial provisório, em carta registada com aviso de receção e à qual deve juntar todos os documentos que atestem a sua reclamação. O credor tem apenas 20 dias para reclamar, portanto, é conveniente averiguar se o devedor solicitou algum Processo Especial de Revitalização. Sugiro que, para o efeito, consulte o Portal Citius.
Note que a entrega desta carta é de extrema importância, pois é com base neste documento que o administrador judicial elabora a lista de dívidas e as reclamações de créditos são atendidas.
Uma vez que o objetivo do PER é o de recuperar as empresas e evitar o processo de insolvência, tudo decorre de forma célere e o período para negociar soluções é curto: até ao máximo de três meses, findos os quais eventuais acordos entre credores e entidades terão de ser apresentados ao juiz, que os aprovará ou recusará.
E o que acontece se não houver acordo entre as partes, ou se a negociação demorar mais do que o tempo permitido? O PER é encerrado e com ele qualquer tipo de efeito.
Reclamar em Processo de Insolvência
Quando o devedor se encontra em processo de insolvência também é possível reclamar créditos, embora não haja lugar à negociação entre as partes.
Como fazer para reclamar créditos num processo de insolvência?
O procedimento é o mesmo do que no Processo Especial de Revitalização:
averiguar no Portal Citius se o devedor está em processo de insolvência;
reclamar por escrito ao administrador de insolvência, em carta registada com aviso de receção, enviando em anexo toda a documentação que ateste a sua reclamação;
apresentar reclamação no prazo de 30 dias.
Terminado este prazo, o administrador judicial elabora a lista de créditos, composta pelos credores registados na contabilidade do devedor e pelos que apresentaram reclamação. De notar que o administrador judicial pode considerar que a reclamação do credor não tem fundamento e, por isso, esta não será reconhecida. Neste caso, e se assim o entender, o credor pode impugnar a decisão – um procedimento que só poderá ser feito através de advogado constituído.
Naquele dia, em que vi que, aquela empresa a quem tinha prestado serviços se viu obrigada a apresentar-se à insolvência, percebi que o facto de me sentir confortável com as minhas sapatilhas, não me dava o direito de julgar alguém que caminhava com sapatos diferentes dos meus.
De facto, a vida é imprevisível e não imaginamos como poderá ser o dia de amanhã. Mas saber que é meu direito reclamar o meu crédito e que aquele dinheiro que me era devido não seria dado como perdido, deixou-me mais tranquila.
Se se encontra nessa situação, não hesite em reunir os contratos, as faturas ou os recibos de vencimento que tem consigo para poder ver o seu crédito reconhecido.
Lembre-se que os Créditos Laborais (o salário, o subsídio de férias, o subsídio de Natal, o subsídio de alimentação, a compensação ou indemnização pela cessação do contrato de trabalho, entre outros) são considerados créditos privilegiados, pelo que, prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos.
Em última instância, se a entidade empregadora não puder pagar as dívidas que tem para com os seus trabalhadores, devido à situação de insolvência em que se encontra, pode sempre recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, que lhe assegurará o pagamento do seu crédito.
Em todo o caso, não deixe de procurar um advogado: ele saberá como contabilizar todos os seus créditos e não descansará enquanto não os reclamar e lhe trouxer de volta a sua segurança financeira.
Despeço-me com estima, até breve
Margarida Ferreira Pinto
Para saber mais sobre Direito da Insolvência, sugerimos que nos contacte ou consulte estas páginas:
Direito da Insolvência
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas